Lançada em agosto, "Pétalas" foi o primeiro projeto de quadrinhos do Catarse a ultrapassar 1000% de sua meta. Crédito: Divulgação |
O mercado dos quadrinhos vem crescendo cada vez mais e um dos principais motivos para esse atual momento são as plataformas de financiamento coletivo. No Brasil existem plataformas que ganharam popularidade por dar espaço ao mercado independente de quadrinhos. Somente no Catarse, 124 quadrinhos já foram financiados, desde 2011, quando o site foi fundado. Isso significa que 66% das HQs obtiveram sucesso no financiamento. Em 2015, tivemos o lançamento de um grande trabalho através dessa ferramenta, que foi a HQ “Pétalas”, dos gaúchos Gustavo Borges e Cris Peter, que superou 1000% de sua meta, batendo o recorde do Catarse nessa categoria.
As histórias em quadrinhos ou, como são popularmente conhecidos, gibis, passaram por nuances de popularização e anonimato no Brasil. Mas, com o boom de séries de TV, filmes e novos projetos gráficos que renovaram o mercado das HQs no país, voltou a ser normal encontrar lojas e bancas vendendo quadrinhos, desde clássicos personagens da Marvel e DC, até histórias de editoras não tão populares e independentes.
No Brasil, dois fatores ajudaram a impulsionar novamente o mercado editorial que agrada cada vez mais antigos e novos leitores. O primeiro deles, ainda em 2012, foi o projeto Graphic MSP, da Mauricio de Sousa Produções. A ideia da produtora, conhecida pelos seus personagens clássicos, como Mônica, Chico Bento e Cebolinha, era contar novas histórias dessas figuras icônicas com roteiros e estilos diferentes, criados por uma nova leva de artistas brasileiros, como Eduardo Damasceno, Gustavo Duarte e Cris Peter.
O outro ponto que alavancou esse cenário, e que surgiu antes das graphic novels da Mauricio de Sousa Produções, foi a plataforma de financiamento coletivo Catarse, que ganhou adeptos das mais diferentes artes desde a sua fundação, em 2011. O sistema é baseado em conceitos de economia colaborativa e visa realizar algo como uma “pré-venda” de novos projetos. O sistema é bem simples: o público adquire as cotas e, caso o projeto alcance a sua meta financeira, o mesmo recebe em casa o que comprou. Se o trabalho não vingar, todos os apoiadores recebem o dinheiro de volta.
Mas, em 2015, quando alguns quadrinistas já achavam que o mercado estava estagnado e saturado surgiu “Pétalas” - HQ dos gaúchos Gustavo Borges e Cris Peter, que superou 1000% de sua meta, batendo o recorde do Catarse nessa categoria. O projeto, que tinha pedido inicialmente 5 mil reais para ser financiado, acabou alcançando mais de 53 mil. E é esse mesmo trabalho que foi lançado nos dias 22 e 23 de agosto, durante a 5ª Comic Con RS, que aconteceu em Canoas.
Uma história que fala de generosidade
A trama conta a história da chegada de um estranho na vida de uma família de raposas durante um rigoroso inverno e trabalha muito com o conceito de generosidade. Gustavo Borges conta que tudo começou como um desafio na vida do autor, que sempre tinha trabalhando com tiras na internet, mas que queria trabalhar com algo maior e fechado. “Achei que já estava maduro o suficiente para tentar contar uma história fechada e de narrativa linear. Logo depois já me veio todos os conceitos que trabalho na história”, destacou Borges.
Crédito: Catarse |
Apesar de já ter alguns trabalhos publicados e ser bastante conhecido do público, Gustavo ainda é bem jovem, tem apenas 20 anos. Mas, apesar de ainda estar começando nesse mundo, conseguiu chamar para trabalhar com ele a colorista Cris Peter, conhecida por diversos trabalhos para as grandes editoras norte-americanas. E foi depois dessa parceria confirmada que veio o grande desafio: disponibilizar no site de financiamento coletivo e começar a campanha de divulgação.
Cris conta que, desde o início, já sabia que o projeto conseguiria superar sua meta, que era de cinco mil reais, mas que nunca achou que chegaria na casa dos 50. “O Gustavo é um cara muito carismático e tem uma boa base de fãs que apoiaram esse trabalho. Só que quando ultrapassou os 30 mil eu me assustei e, de certa forma, fiquei muito contente em saber que existem pessoas interessadas em querer ler um trabalho tão bacana”, conta Cris, que já foi indicada ao prêmio Eisner, considerado por muitos o Oscar dos quadrinhos.
Mas mesmo com a certeza de Cris Peter de que o projeto seria financiado, Gustavo ainda se sentia relutante em buscar o financiamento coletivo. Isso foi até um dos motivos para que buscasse um valor tão baixo para publicar o trabalho. “Sempre achei que não conseguiria alcançar a meta. Até por isso que fiz o possível para tirar o máximo dos gastos para conseguir baratear o produto final e deixar em um orçamento mínimo”, destaca Borges.
Financiamento pioneiro no mercado de HQs
O primeiro projeto de quadrinhos financiado pela plataforma, ainda em 2011, foi a HQ “Achados e Perdidos”, de Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho. O trabalho da dupla conseguiu arrecadar 30 mil reais e foi lançado no fim do mesmo ano, durante o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), que acontece em Belo Horizonte. Depois disso o nome da dupla acabou sendo presença constante em eventos e em grandes trabalhos no Brasil como, por exemplo, a graphic novel do “Bidu”, que faz parte da marca Graphic MSP.
Damasceno conta que sempre foi um entusiasta do crowdfunding, pois acompanha grupos de software livre há tempos e via isso como uma ferramenta para ajudar a publicar um pouco desse material que acaba não indo para as editoras. Mas eles buscavam ser os primeiros no Brasil a conseguir financiar uma HQ através dessa ferramenta e a falta de referências de sucesso e de reconhecimento do grande público acabaram assustando um pouco a dupla.
Eduardo Damasceno publicou, em 2011, a primeira HQ através do Catarse. Crédito: Cristiano Correa |
“Realmente nós não tínhamos referência nenhuma de como faríamos para divulgar e conseguir alcançar a nossa meta e hoje em dia já é possível pegar alguns projetos de sucesso e se inspirar no que eles fizeram”, exemplifica Eduardo, que ainda completa “Só que não existe um jeito certo e nem uma fórmula de sucesso de como fazer algo assim, então não consigo avaliar se foi tão ruim não termos em quem nos inspirar na época”.
Mineiro de 32 anos, Eduardo Damasceno destaca que essa plataforma de financiamento já se transformou em uma tendência de mercado para os quadrinhos e, segundo ele, essa consolidação era o mais importante para que o Catarse pudesse crescer e publicar trabalhos com uma qualidade cada vez maior. Mas isso não quer dizer que o método ainda não necessite de aperfeiçoamentos. Segundo Damasceno essa proposta de publicação acaba exigindo muito tempo do artista que, muitas vezes, não vive só da arte e acaba não conseguindo se dedicar exclusivamente para o projeto.
O mercado de outro ponto de vista
Talvez um dos jornalistas e editores de quadrinhos mais conhecidos e respeitados no Brasil seja Sidney Gusman, um dos homenageados da Comic Con RS, pela sua importância para o quadrinho nacional. Editor-chefe da Mauricio de Sousa Produções e criador do projeto Graphic MSP, Sidney também é fundador do site Universo HQ e escreveu sobre HQs durante muito tempo para jornais de renome, como Estadão e Folha de São Paulo, além de revista como Playboy e Superinteressante.
Sempre trabalhando com grandes artistas, alguns que surgiram através do financiamento coletivo, Gusman acredita que essa plataforma vem sendo muito bem aproveitada pelos autores e que grandes exemplos, como “Pétalas”, devem ser seguidos e se transformar em referências para esse mercado novo que ainda está se formando. “Esse sim é um grande exemplo de como se aproveitar a ferramenta e Gustavo foi muito inteligente em colocar uma meta tão baixa (5 mil reais) e diversas metas estendidas, pois o público já sabia que ia receber o seu quadrinho e agora buscava o bônus”, analisa o jornalista.
Sidney Gusman foi um dos homenageados da 5ª ComicCon RS, que aconteceu na Ulbra, em Canoas. Crédito: Cristiano Correa |
Mas, para Sidney, essa ferramenta incrível também traz um ônus que ainda vai demorar para ser corrigido: a qualidade de um trabalho. Segundo o jornalista, com a publicação de tanto material através dessa plataforma, acaba saindo muito material ruim também e é só no seu segundo projeto que o artista vai conseguir medir quem realmente é o seu público pois, caso o fã se decepcione com o primeiro, ele nunca irá comprar novamente.
Outro ponto destacado pelo editor-chefe da Mauricio de Sousa Produções é que os artistas também devem cuidar da parte editorial desse trabalho, porque não existe uma editora por trás do projeto. “Atualmente é possível produzir um material que, graficamente, não deve nada a nenhuma editora e os autores tem feito isso. O grande problema é que, quando você faz sozinho, editorialmente ela também não pode ficar devendo nada”, conclui o jornalista.
Depois de tudo isso, o que podemos fazer é esperar e ver a consolidação de uma ferramenta que ajuda na publicação de um material que não passa pelo crivo das grandes editoras. Se ele tem qualidade ou não, quem vai decidir isso é o público que irá ou não acompanhar o futuro do crowdfunding como a nova tendência de publicação de histórias em quadrinhos no Brasil.
Guilherme Wunder
Nenhum comentário:
Postar um comentário