quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A ferramenta de inserção do povo na administração dos recursos públicos

O que obras como o centro popular de compras (camelódromo), a terceira perimetral e a creche comunitária do bairro Timbaúva tem em comum? Todas elas foram construídas por decisão do povo. Isso mesmo, foi a população de Porto Alegre que definiu que essas seriam as obras feitas pela Prefeitura da capital, através do orçamento participativo.

Foto: Ricardo Stricher
O orçamento participativo, conhecido popularmente como OP, foi idealizado em Porto Alegre, em 1989, pelo prefeito Olívio Dutra (PT-RS). O objetivo do projeto era promover a discussão da receita gerada pela cidade junto à população. “O programa deu vez e voz para quem até então não tinha tido essa oportunidade”, afirmou Olívio, na 14ª Conferencia do Observatório Internacional de Democracia Participativa de 2014, em Canoas.

Para o jornalista Poti Silveira, - que lançou o livro “Orçamento Participativo de Porto Alegre – 25 anos”, na 61ª Feira do Livro de Porto Alegre - o OP pode ser definido como uma das mais importantes ferramentas para tornar o processo político mais eficiente e mais adequado aos interesses coletivos. “A ideia é excelente, mas enfrenta o risco de contaminação pela atividade partidária”, ressalta o jornalista.

OP foi implantado pela primeira vez na administração Olívio Dutra em Porto Alegre. Foto: Tony Capellão/Prefeitura de Canoas
Nos primeiros 14 anos do OP, foi possível saber o quão certo tinha dado aquele projeto implementado no fim dos anos 80. Nesse período, foi possível reduzir o déficit de ruas pavimentadas em 300 km e construir 55 escolas, segundo dados publicados. Isso para citar apenas dois exemplos que atingem grande parte da população porto-alegrense.

Atualmente, cerca de 200 cidades no Brasil e outras ao redor do mundo implantaram o orçamento participativo como uma ferramenta de inserção da população no planejamento dos investimentos da cidade. 

Os interesses que prejudicam o programa

E, mesmo com toda a importância que esse recurso já mostrou ter, existem municípios que acabam interrompendo o programa devido à questões políticas e partidárias. Na cidade de Alvorada, que é conhecida por ser detentora do segundo pior PIB por habitante do estado, o programa foi instaurado pela, na época, prefeita Stela Farias, mas acabou sendo interrompido no final da gestão do PT no município. 

Deputada estadual Stela Farias era prefeita de Alvorada quando o OP foi implantado na cidade. Foto: Marcelo Bertani / Agência ALRS / OA
Segundo o secretário adjunto de Governo de Alvorada, Charles Scholl, a desativação do Orçamento Participativo em Alvorada prejudicou o desenvolvimento do município e afetou os avanços no processo de participação do povo nas decisões sobre o que é feito com os recursos municipais. Scholl destaca também que hoje o Orçamento Participativo está de volta ao programa de governo do município, mas de uma forma diferente, devido a falta de orçamento para ser aprovado.

“Hoje, não existe orçamento para ser votado, que torna inócua a participação da população. Mas, no mesmo espaço do Orçamento Participativo, com a mesma lógica de participação popular, idealizamos o Conselho da Cidade, que estabelece em um espaço consultivo as principais políticas a serem adotadas pelo município em todas as áreas”, ressalta o secretário da cidade.

Essas interrupções do programam se dão, muitas vezes, por uma iniciativa política - mesmo quando os prejudicados acabam sendo a população. Isso passou pela cabeça de muitos porto-alegrenses no início do mandato do prefeito José Fogaça. Segundo Silveira, na pesquisa realizada para a produção do livro, ficou evidente os dois principais períodos do OP em Porto Alegre: antes e depois do governo da Frente Popular.

Poti foi um dos autores do livro que conta a história do OP em Porto Alegre. Foto: Cássio Peres/Divulgação PMPA
“O primeiro, durante os 16 anos de governo da Frente Popular, onde ocorre o surgimento, a consolidação e tentativas de desenvolvimento do processo – a criação de um OP específico para escolas e outro para servidores públicos, por exemplo. Um segundo momento, tem início com o governo de José Fogaça e, posteriormente, de José Fortunati. Tal período é caracterizado pelo temor de extinção do OP, seguido da confirmação de continuidade do processo, mas com pouco ou nenhum avanço para a democracia participativa”, declara o jornalista.

O futuro do Orçamento Participativo na capital

O Orçamento Participativo já está há quase 26 anos em funcionamento. Apesar dos problemas e receios, o programa segue no plano de governo de cidades como Porto Alegre e Alvorada. E hoje, depois de tanto tempo se trabalhando com esse programa, como ele ainda pode beneficiar a população? A sua maior contribuição está justamente em seu objetivo inicial: discutir a receita gerada pela cidade junto aos cidadãos.

A pergunta que fica, no entanto, é: o que mais o OP pode fazer? Para Silveira, já está na hora de ampliar o projeto e inserir mais o público em outras decisões dos recursos da cidade. “É preciso ampliar o Orçamento Participativo, permitindo que a população também examine diretamente, não apenas a despesa pública, mas igualmente a receita e o planejamento. É preciso também assegurar o uso de ferramentas de tecnologia, informação e comunicação surgidas depois de 1989, quando o OP foi criado”, finaliza o escritor.

Guilherme Wunder e Luiza Guerim

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